domingo, 20 de fevereiro de 2011

Pingos de luz

Ao mesmo tempo em que a chuva pintava as ruas em rios, ele olhava a violência do vento carregando as águas no mais absoluto silêncio. Olhava admirado o quão impactante eram aquelas águas caindo ao lado da sua janela. E por um longo tempo, se colocava a imaginar o verdadeiro tamanho daquela grandeza. Chegou até a cometer a loucura de se comparar à voracidade do vento que invadia os seus pensamentos. Mas, como sempre, tratou de contradizer o que pensava. Será que nem uma pontinha de insanidade seria bem-vinda? Será que nem um montinho de vidas novas seria um caminho? Será que seria certo ter a certeza de um sereno puramente vazio?

A chuva que demorava a passar, colaborava para o trânsito de ideias na sua cabeça. Às vezes em mão única, outras em mão dupla. O que mais lhe chamava a atenção em todas aquelas gotas caindo, era justamente o grande mar que se formava na frente dos seus olhos. Sua visão estava tão embaçada, que ele já não era capaz de distinguir profundas lágrimas de simples poças. Afinal, todos sempre souberam que ele era um grande poço de lágrimas. Isso o tornava bastante sensível. Ele já não conseguia mais ser machão. Ainda bem, porque, finalmente, ele entendeu que ser macho é bem diferente de ser homem. E como muita gente, também foi obrigado a virar homem ainda quando era menino.

Mesmo depois de várias horas, ele continuava sentado em frente à janela daquele quarto escuro, tentando desvendar o que fazia aquele monte de água ser tão especial. E resulta que, na verdade, não tinha nada de especial. Era apenas a chuva caindo e cobrindo tudo com aquele cheiro característico de vida. Um possível recomeço. Mas ele nunca tinha parado para acompanhar o ritmo da chuva pingando no chão, e isso fez com que a sua percepção sofresse um grande impacto. Naquele instante, ele acabava de perceber que nunca havia dado importância para a água que saía das nuvens. Parecia algo bobo aos olhos nus, mas não era. Ele enfim percebeu que, depois de reparar em algo que sempre esteve ao seu lado, durante tantos dias de um ano, poderia começar a reparar em si próprio.

Depois de tanto tempo observando o clima que seguia do outro lado da janela, ele tomou coragem, abriu bem os olhos e levantou o vidro que o separava daquele sentimento de vida contínua, que seguia se renovando desde o ponto mais alto do céu. Feito isso, abriu o mais largo sorriso. Sentiu a satisfação. E a partir daquele dia, nunca mais se sentiu sozinho. Nunca mais como naquele dia.

2 comentários:

Estilo Gram disse...

Legal o blog San ^^

aline marangoni disse...

"Hoje, havia chuva e um pouco de frio: essa chuva e esse frio parecem que empurram a gente mais para dentro da gente mesmo."